terça-feira, 3 de abril de 2012

Desmascarando os Ecléticos.

Gostei da matéria. Foi extraída de http://blogs.estadao.com.br/tragico-e-comico/2011/06/19/desmascarando-os-ecleticos-musicais/ (Nunca pensei que iria encontrar no Estadão algo relevante, pois acho o jornal extremamente tendencioso).

Segue:


“Sou eclético”. Essa é uma resposta bastante comum quando perguntamos aos outros sobre preferências musicais. Num tempo em que somos obrigados a gostar “de tudo um pouco”, em iguais proporções, esse discurso soa muito bonito. Dá uma ideia de que a pessoa é tolerante, que não tem “preconceito” contra nenhum gênero, de que está aberta a coisas novas. Na cenografia idílica desse mundo perfeito, todos os artistas — sejam eles bons ou ruins —, devem ocupar os mesmos espaços na mídia, devem tocar no rádio o mesmo número de vezes e devem dispor do mesmo número de giga-bytes em nossos iPods. Quando uma pessoa se define “eclética”, automaticamente se exime de emitir qualquer opinião. É a maneira mais fácil, rápida e confortável de buscar aceitação nas mais variadas rodas. Não que seja errado ou proibido evitar opiniões fortes. Muitas vezes as pessoas realmente não têm uma opinião formada, porque lhes faltam bases para isso. Às vezes, a desculpa do ecletismo até cai bem, para evitar mágoas. Mas na grande maioria dos casos, esse suposto “senso comum” não faz nenhum sentido.

Quando o ecletismo vira uma ideologia e não nos é permitido manifestar preferências ou tecer críticas, temos um problema sério. Se apoiar nessa muleta é um claro sinal de preguiça — e quem realmente acredita em seu próprio ecletismo e o usa como ideologia está sendo pusilânime. A pretensa ausência de preconceito é usada apenas como forma de maquiar a falta de conceito. É característica natural do ser humano buscar sons que lhe agradam, portanto é perfeitamente aceitável que cada um estabeleça suas preferências. Se um cara gostar de rock, talvez ele goste de blues, possivelmente um indie ou punk, quem sabe um reggae ou até mesmo, vá lá, uma MPB. Agora, quando o sujeito diz que voa do death metal ao axé sem qualquer turbulência, está apenas sendo hipócrita e mentindo deslavadamente — assim como é igualmente hipócrita se dizer torcedor fanático do Corinthians e do Palmeiras ao mesmo tempo. É óbvio que ele vai gostar mais de um e descartar o outro. Ou talvez até odiar os dois, mas gostar de ambos com a mesma intensidade é absolutamente inconciliável. Claro que tem gente que gosta das coisas mais contraditórias, mas a pessoa jamais vai defendê-las com a mesma fé. O que existe são formas diferentes de manifestar essas preferências: umas mais fanáticas, outras mais ponderadas. Todas são válidas.

Sou fã de rock e de várias de suas derivações, mas isso não implica num adesismo imediato. Faço críticas e também autocríticas quando julgo necessário. Adoro blues, fusion e jazz, gosto de trilhas sonoras de filmes, mas aprecio outros gêneros, como R&B e soul. Gosto de algumas coisas da Motown, mas não sou fã. Alguns gêneros eu aprecio com mais moderação, como reggae, eletrônico e DUB. Outros eu respeito, mas não gosto, como MPB e bossa nova. Outros eu tolero, no limite, como o indie e o pop. Mas alguns gêneros soam como um insulto aos meus tímpanos, como emo, pagode, axé, sertanejo e qualquer um desses hits popularescos. E não só porque é brega, não (Whitesnake é brega, mas á bão, sô!). É porque é ruim mesmo. Desgraçadamente ruim. Gosto muito de viola caipira, e respeito o sertanejo da velha guarda, mas esse sertanejo-pop romântico é uma porcaria pasteurizada e desprezível. E digo isso sem preconceito algum. Preconceito existe quando a pessoa julga sem conhecer — e esse sertanejo de auditório eu conheço muito bem, porque está por toda a parte. Uma vez manifestei essa opinião no jornal e recebi uma resposta indignada do Zezé Di Camargo. A discussão foi interessante, mas poderia ter sido muito mais se ele não tivesse usado a velha desculpa do preconceito contra sertanejos em sua resposta. Claro que a turma do ecletismo veio a reboque para defendê-lo, usando um vasto repertório de clichês. E não impressiona que uma discussão que se propunha musical tenha repercutido (contra e a favor) dessa forma na blogosfera. Quatro anos depois desse “incidente”, ainda não ocorre a esse pessoal que tem muita gente que simplesmente não gosta de música sertaneja.

Não estou sugerindo que roqueiros e pagodeiros quebrem seus instrumentos na cabeça uns dos outros. Só estou dizendo que temos de preservar o direito a livre opinião. Paulo Francis, por exemplo, classificou fãs de rock como “animais invertebrados” (me divirto com essa frase, apesar de me considerar um animal vertebrado). Quando se impõe o ecletismo aos outros e se usa o preconceito como argumento, invalida-se o debate. Aceitar críticas (mesmo as mais severas) é absolutamente necessário. Sem o contraditório, não se avança, não se esgotam todas as possibilidades, não se buscam novas fórmulas… caímos num vazio reflexivo e mental. Se os artistas vivem repetindo o mantra “bem ou mal, falem de mim”, por que não se aproveitam dele como estratégia? Claro que é muito mais confortável se isolar numa bolha, filtrar críticas e só aceitar glórias a adulações. A maioria dos artistas (especialmente os brasileiros) ainda precisa aprender a não se levar tão a sério. Precisa dar a cara a tapa, precisa aprender a encarar uma crítica não como ofensa pessoal, mas como uma oportunidade para discutir sua obra. Só assim ele descerá de seu pedestal para encarar o mundo real. Essa é a parte mais difícil para os artistas que se julgam “gênios” — mas, infelizmente, não vejo um horizonte possível aí. Pelo menos por enquanto…"

4 comentários:

  1. Então, no segundo parágrafo dá pra concluir que o próprio autor do texto também é eclético. E ser eclético não é gostar de absolutamente tudo, é gostar de muitas coisas, respeitar algumas, "aturar" outras... Como ele mesmo fala. =) Ou seja, selecionar o que julga ser melhor.

    Acho que faltou ele se distanciar do senso comum e procurar a origem e o significado da palavra:

    ecletismo
    e.cle.tis.mo
    sm (gr eklektismós) 1 Método filosófico ou científico que reúne diversas teses conciliáveis entre si, compendiadas de sistemas distintos, prescindindo do que eles têm de incompatíveis. 2 Escola filosófica representada pelo francês Vítor Cousin, segundo a qual há em todo homem um "sentido da verdade", que lhe permite descobrir um fragmento ou aspecto da verdade total. 3 Hábito ou liberdade de escolher o que se julga melhor, na política, nas artes etc. Var: ecleticismo.

    ResponderExcluir
  2. Sim, sem dúvida. Mas o que eu vejo atualmente é uma obrigação de igualdade. Uma obrigação de agradar a todos e uma tendência a comparar o "politicamente correto" a uma imagem de múltiplos gostos.
    Uma lamentável (lamentável na minha opinião, obviamente) disposição para propagar o seguinte pensamento: "Aquilo que todos gostam é bom". Ou seja: É bom porque todos gostam.
    Há falta de identidade. Há falta de vontade. Essa igualdade de preferências aproxima-se muito mais do comodismo do que da luta pela quebra de preconceitos.

    Quanto a obrigação de "aturar", equivale, também, "aturar à distância". Por exemplo, eu acho Paula Fernandes (que está nos outdoors) uma bela meleca (sendo bem educadinha). Mas...respeito quem gosta. Só não me obrigue a escutar os Cds ou ir no show dela, afinal, eu tenho respeito pelos meus ouvidos e sei que eles não suportariam 10min sem cutucar minha cabeça com palitinhos metálicos afiados.

    Aí vai da tolerância musical de cada um. Obrigar a igualdade de tolerâncias musicais, além de impossível, demonstra notória falta de respeito aos limites alheios.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não saiu meu nome... =/ Kétlin disse: Todo texto acima.

      Excluir
  3. Na verdade, essa questão de tolerância musical deve ser quase fisiológica (de cada organismo). Algumas pessoas toleram mais barulhos do que outras. Algumas pessoas tem maior ou menor tolerância para sons agudos/graves e por aí vai. Querer que (todos) os ouvidos humanos sejam tolerantes a tudo é extrapolar os limites da natureza de cada indivíduo. Ou seja, até a capacidade de tolerar o "barulho" alheio tem limites.

    ResponderExcluir